Turismo não é só paisagem, é gente. O futuro que sonhamos é aquele em que o viajante, ao decidir o próximo destino, se pergunte não só “que praia ou parque nacional ainda não conheço?”, mas também “que modo de vida quero vivenciar?”
O Brasil tem tudo para ostentar um portfólio de experiências de viagem regenerativas e transformadoras para visitantes e comunidades. É por isso que nossa causa, a do turismo responsável, precisa ir além da conservação da natureza. A potência da cultura e a qualidade de vida de um lugar não são só um diferencial para manter um destino em alta na memória do viajante. Elas são, desde que potencializadas pela presença do turista, chaves para que as comunidades locais tenham autonomia e engajamento suficientes para aprimorar suas operações de turismo comunitário e transformá-las em negócios, de fato, sustentáveis.
Temos notado essa relação de reciprocidade de forma muito singular na seara do Turismo de Base Comunitária (TBC) em Áreas Protegidas da Amazônia. Ali, não se objetiva somente a geração de renda e a valorização dos modos de vida tradicionais, o que contribui para o manejo e conservação dessas paisagens há milhares de anos. Soma-se uma camada ainda mais vital: a demanda por defesa e gestão do território, condição básica para que essas populações possam continuar a existir. O TBC tem sido trabalhado como alternativa inovadora para endereçá-la. São os casos, por exemplo, das experiências na Floresta Nacional (FLONA) do Tapajós, na Reserva Extrativista (RESEX) Tapajós-Arapiuns, no Pará, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá e nas Terras Indígenas (TI) Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II, Jurubaxi-Téa e Uneuixi, no Amazonas.
E como engajar, ao mesmo tempo, comunidade e viajante?
Temos pistas muito inspiradoras em nossa experiência com o turismo indígena, junto aos Haliti-Paresi no Mato Grosso e especialmente no projeto Serras Guerreiras de Tapuruquara, no Amazonas. São viagens em que os chamarizes centrais são, não só as singularidades da paisagem – serras para subir e ver a Amazônia de outro ângulo -, mas os diferentes usos e significados dessa paisagem – como o sistema agrícola tradicional do Rio Negro, um Patrimônio Imaterial da Cultura Brasileira.
Em cada atividade e prosa durante as viagens se descortinam aos viajantes os saberes e fazeres das comunidades. E essa troca tão espontânea, sem as maquiagens da “atração turística”, acaba se revelando a verdadeira experiência transformadora declarada nos testemunhos dos viajantes, ao final de cada jornada.
Tal dinâmica se mostra também muito motivadora para as comunidades indígenas. Sendo o conhecimento da roça um saber do universo feminino e a disposição em conduzir os grupos de turistas de interesse dos jovens, o objetivo das comunidades de envolver principalmente esses grupos na geração de renda e valorização e salvaguarda de seus patrimônios culturais é atingido.
Essas experiências também têm promovido resultados inovadores. Em primeiro lugar, o compartilhamento dos conhecimentos e práticas tradicionais tem um “efeito colateral” poderoso: permite que visitantes compreendam a relação dos povos indígenas com a floresta e sua importância para a sobrevivência da própria cultura.
Além disso, as comunidades indígenas reúnem condições particulares para o desenvolvimento de negócios comunitários: a relação de pertencimento e responsabilidade com o território é cosmológica, as regras e o direito de uso é compartilhado segundo a forma como aquelas comunidades e famílias se relacionam. Então, nessas experiências de turismo comunitário indígena, os arranjos de negócio são estruturados de acordo com essa relação, promovendo uma forma própria de governança, tanto nas decisões de quais atrativos e aspectos culturais devem ser priorizados como na divisão do trabalho e dos recursos.
E, novamente, fica muito evidente o valor do turismo para a proteção do território: a partir de sistemas de repartição justa de benefícios coletivos e de gestão dos investimentos entre as comunidades, as iniciativas revertem parte dos recursos pagos pelos visitantes para a realização de expedições de monitoramento e vigilância, rotinas de reuniões entre as comunidades envolvidas, além de investimentos em infraestrutura. Dessa forma, os impactos positivos abrangem o território como um todo.
Essas condições juntas têm se mostrado determinantes para o sucesso das empreitadas e parcerias entre comunidades, associações, cooperativas, organizações técnicas parceiras, universidades, gestores públicos e empresas responsáveis do setor de turismo que se desenharam em torno delas.
Um Brasil de diversidades celebradas
É por esse tipo de iniciativa que, aqui na Garupa, temos conseguido sonhar com um Brasil tomado de viagens de experiência, de base comunitária, em diferentes territórios e biomas, estrategicamente apresentando ao mundo toda a pujança da diversidade de nosso povo. Para isso, os investimentos devem ser direcionados ao apoio e acompanhamento das comunidades interessadas, para que possam se organizar e estruturar iniciativas de TBC autênticas também em sua gestão, autônoma, com planos de negócios sólidos e uma comunicação clara de seus resultados na busca pelo desenvolvimento local.
Ana Gabriela Fontoura, Camila Barra e Claudia Carmello, da Garupa