A Serra da Capivara tem aparecido com frequência na mídia. Mas as notícias que chegam de lá não são boas: o Parque Nacional, a 530 km de Teresina, no Piauí, sofre com a falta de repasses de recursos para manutenção desde o meio do ano passado. E essa falta de verbas já resulta na redução da equipe (agora são apenas 40 funcionários), no fechamento de guaritas (menos da metade das guaritas estão abertas) e, claro, na falta de cuidado com o que o lugar tem de melhor – os animais são ameaçados pela caça ilegal, e as pinturas rupestres estão à mercê de queimadas e desmatamentos.
A situação é gravíssima, ainda mais porque estamos falando de um lugar único: o Parque Nacional da Serra da Capivara, todo em área de caatinga e cheio de incríveis formações rochosas, guarda os vestígios mais antigos da ocupação do Homem na América do Sul. São mais de 900 sítios arqueológicos, além de pinturas rupestres que datam de 6 a 12 mil anos. Em 1991, o parque foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO – é o único do país com esse título.
A Paula Arantes, consultora de ecoturismo e sustentabilidade e integrante da equipe da Garupa, explorou a região no final do ano passado. Abaixo, ela conta pra vocês o que descobriu sobre esse destino, seu povo e suas riquezas:
Um parque e um museu de primeira
“A organização e a estrutura criadas pela Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM) para preservar o Parque Nacional e o seu acervo são impressionantes, me surpreenderam muito! O parque é super bem estruturado, tem sinalização e mapas adequados e é cuidado por pessoas bem capacitadas. O Museu do Homem Americano, que fica na sede da Fundação, é bem equipado, multimídia, ‘de primeiro mundo’, como dizem. Com o propósito de divulgar os resultados das pesquisas feitas nos últimos quarenta anos na região, o acervo conta a evolução da cultura material do homem pré-histórico e expõe exemplares raros, como vestígios de uma fogueira de 50 mil anos e fragmentos de cerâmica de quase 9 mil anos.”
“O parque é super bem estruturado, tem sinalização e mapas adequados e é cuidado por pessoas bem capacitadas” – Paula Arantes
Os excelentes guias
“É preciso estar acompanhado por um dos guias locais para explorar um dos 14 circuitos de trilhas que atravessam o parque em direção a sítios arqueológicos e outros monumentos geológicos. O que é ótimo, porque eles são bem qualificados: a maioria trabalhou diretamente com os pesquisadores que fizeram estudos no lugar desde que o parque foi criado, em 1979.
Estar acompanhado de um guia garante a qualidade da experiência, porque, além de levarem para os lugares mais bacanas, de acordo com nosso tempo, interesse e disposição, eles têm a vivência dos processos de escavação e sempre contam curiosidades. Eles descrevem, por exemplo, como é feito o teste de carbono para datar as descobertas. E, com muito orgulho, zelam por todo esse rico patrimônio.”
A importância da cerâmica
“A produção das já famosas peças de cerâmica da Serra da Capivara é uma das maiores fontes de renda das comunidades locais. A atividade é parte do projeto de desenvolvimento da região idealizado pela pesquisadora Dra. Niède Guidon, fundadora e diretora-presidente da FUMDHAM, que trabalha na região desde a década de 1970. Uma das etapas desse projeto foi a realização de oficinas de capacitação, com o objetivo de ampliar a renda da população local (que vive da cultura de subsistência). Produzir cerâmica, então, foi uma opção para que mais pessoas ficassem na região.
Entre as tantas peças há canecas, cumbucas, copos e pratos, cada um com uma figura rupestre que reproduz o rico patrimônio arqueológico guardado no parque. Na loja, ao lado da oficina, no município de Coronel José Dias, elas custam bem menos do que nas outras lojas do país. Dá pra conhecer a oficina, conversar com os artesãos, ver como as peças são produzidas, almoçar e até se hospedar por lá (leia mais no próximo tópico).”
Um albergue bem conveniente
“A própria equipe da oficina de cerâmica administra o albergue Cerâmica da Capivara, que fica bem próximo a uma das entradas do parque. Ele é simples e confortável, com o plus de uma comida gostosa servida nas lindas peças de cerâmica – também há lanches pra levar nas trilhas. O albergue costuma receber os pesquisadores que chegam à região, mas sofre com a falta de demanda devido à diminuição de projetos e parcerias internacionais nos últimos anos. O site está em reforma – quem quiser pode fazer contato por email.”
A falta que um aeroporto faz
“As estradas até que são boas de Teresina até São Raimundo Nonato, cidade-base para explorar o destino. Mas a sinalização é escassa e poucas pessoas no caminho conhecem o parque para poder dar maiores informações. O aeroporto de São Raimundo Nonato, prometido há quase 20 anos, foi inaugurado no ano passado. Está prontinho há quase cinco meses, mas parado, já que não tem licença e ainda não recebe voos comerciais, apenas pequenas aeronaves.
Niède Guidon estima que, com o funcionamento do aeroporto, a região possa receber até 6 milhões de turistas por ano – muito, mas muito mais do que as 18 mil pessoas que visitam a Serra da Capivara atualmente. E isso vai mudar a realidade de lá. É um destino muito impressionante, maravilhoso e com um povo super acolhedor, que merece essa estrutura e precisa ser melhor divulgado”.
Em parceria com Abril – Viagem e Turismo